Viagens e a relação com o papel de gestora de pessoas — Partilha que Inspira #1
por Nagle Melo
Viajar, como dizem, é “trocar a roupa da alma”. Acrescento a estes dizeres que viajar é sair da caverna, é pensar fora da caixa, é olhar o mundo e as pessoas com outros olhos. Não importa o destino, o que realmente interessa é a trajetória. Todo detalhe, neste caso, faz uma grande diferença. Desde a percepção das pessoas que dividem o mesmo ônibus ou avião ou qualquer outro meio de transporte, os encontros inusitados, até as sensações diferentes, algumas vezes de desconforto justamente por estarmos em terreno desconhecido.
Construir-me gestora de pessoas é uma experiência tão desafiadora quanto viajar. Pode parecer estranho, já que muitos associam viajar com situações prazerosas. Ressalto que nem sempre viajar é prazeroso, da mesma forma que nem sempre liderar pessoas é tão difícil quanto se pensa. Sendo assim, podemos pensar que gerir pessoas e viajar são duas práticas intensas e complementares, porque ambas, apesar de suas especificidades, pressupõem lidar diretamente com o diferente. Culturas diferentes, pessoas com valores diferentes, climas diferentes, dentre outras peculiaridades.
Viajar, assim como gerir pessoas, me dá a possibilidade de enfrentar o novo que, a priori, sempre assusta! Por mais planejamentos, pesquisa e escolhas dos roteiros, mapas ou ferramentas de trabalho que se tenha em mãos, é somente durante a experiência da relação humana que saberemos como agir, o que falar, como se fazer compreender.
Por mais tempo que se tenha trabalhando com uma determinada equipe, pessoas são uma caixinha de surpresas. Todos os dias mudamos: opiniões, a maneira de ver o mundo, o jeito de realizar determinados processos, etc. É necessário paciência e compreensão do tempo de amadurecimento de cada um. Na mesma proporção isto ocorre quando viajamos a algum destino que já conhecemos. O destino já não é mais o mesmo, nem nós. Muitas vezes, quando retornamos a algum destino nos deparamos com novos lugares que sempre estiveram ali, mas que não nos demos conta, porque não conseguimos apreender tudo o que desejamos conhecer numa viagem. Como já dizia Heráclito, “nenhum homem pode banhar-se no rio por duas vezes, pois na segunda vez, o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o homem”.
Viajar é uma maneira suave de nos depararmos com o diferente. Parece que automaticamente nosso peito se abre para o que está por vir. Talvez por deixarmos, com mais liberdade, que a curiosidade tome conta de nós, talvez por estarmos mais conectados com a experiência em si. Transportar-se para fora daquilo que estamos acostumados, não saber exatamente o que nos espera faz com que suspendamos nossos conhecimentos para que o nosso coração consiga se abrir para o novo. Este é um exercício que nos deixa mais humildes e também mais empáticos. E tais práticas de comportamento é o que torna as relações, principalmente as de trabalho, muito mais leves, saudáveis e respeitosas.
Outro aspecto importante na relação que tento estabelecer entre minhas viagens e a construção de mim como gestora de pessoas é, nada mais nada menos que a coragem! Isso mesmo! Construir-me (e desconstruir-me) gestora de pessoas é agir com coragem. Em primeiro lugar, por eu ser mulher e em segundo lugar por ocupar um cargo de poder dentro de uma Organização, em sua maior parte configurada por homens. A revolução neste caso, é diária. Não muito diferente ocorre quando decido colocar a mochila nas costas e desbravar caminhos. Viajo sozinha, na maioria das vezes, e a coragem é o que me move e me fortalece. Inclusive porque antes mesmo de conhecer outros mundos (sejam eles geográficos e/ou subjetivos), a viagem que eu destacaria aqui como sendo a mais importante, a mais incrível de todas e a que necessita de maior coragem, é a que fazemos para dentro nós mesmos, pois é a partir dela que conseguimos nos manter vivos, atentos e presentes. Desbravar-se para só então desbravar o mundo e os outros.